sábado, 17 de agosto de 2019

Jack Kerouac me dava razão? (Conto I)


Aquela estrada sempre me fascinou, coisas que só ela pode nos proporcionar. Talvez o vento na cara e alguma música de Neil Youg tocando dentro carro, pode ser que seja os meus amigos atrás levando uma vida boêmia, regada à velha santíssima trindade "sexo, drogas e rock n' roll", que cá entre nós nunca me fascinou. Talvez essa energia me remeta os anos de 1969 (tempo em que não vivi) aqueles ventos que sopraram Woodstock, os sons da guitarra de Jimi Hendrix ecoando pelos ares. Uma certeza, só uma certeza: dentro de nós tinha um pouco de Jack Kerouac, Nietzsche e, lógico, Edgar Allan Poe, principalmente quando a noite caía. Sei que o caminho a percorrer era a tão sonhada América do sul, aquela do cinema novo, da poesia marginal, a que Belchior sempre nos disse em suas canções. Foi numa fazenda em que paramos só pra poder conhecer os moradores é que as coisas começaram a acontecer. Era manhã, e de longe, no celeiro eu a avistei, cabelos cacheados, ruivos e longos, o cabelo quase mais longo que o vestido e mais longos que eu meu cabelo. Meio que sem entender nada ela olhava aqueles três viajantes meio sem rumo na direção e na vida, e com uma hospitalidade quase que sulista, ela veio nos receber:
"Em que posso ajudar?"
Os três, meio atrapalhados com tamanha beleza, sem saber o que responder, quando nosso amigo, fã de Nietzsche disse: "podemos entrar pra tomar uma água?" e ela, sem dúvida alguma, disse que sim.
A casa era muito bem feita, a arquitetura era rústica, que alternava entre o amarelo da parede e o chão de madeira, com um toca-disco que se não me falha a memória, tocava Paul Simon ou algo assim, e logo de cara demos de cara com uma sala, típica dos anos 40, com uma máquina de escrever, folhas e folhas espalhadas por toda a sala, alguns vinis quebrados e outros intactos perto de diversos livros em sua coleção. De repente, vi uma fotografia e a princípio achei que fosse uma pessoa qualquer, mas ao olhar bem vi que era ela, a moça dos cabelos cacheados no qual não tive nem a coragem de perguntar seu nome, sem hesitar eu peguei aquela foto e senti os olhos trêmulos e úmidos, como um bom cético nunca acreditei muito em coisas fantasiosas demais, mas se vidas passadas existem, eu tinha uma ligação muito forte com ela. Feito isso, era hora de dar adeus, meus amigos estavam "viajando" em alguns livros de Karl Marx na outra parte da "sala dos 40", nome que dei de repente pr'aquele recinto. Quando estávamos saindo da sala, ela veio com um café e um disco de jazz nos convidando pra ficar.
Durante a conversa, ela discutia sobre vários assuntos, que iam de Fernando Pessoa até uma velha vila que ficava próxima a sua fazenda, eu sentia algo no olhar dela no qual eu não sabia decifrar se era um flerte ou se ela estava querendo que a gente se mandasse logo dali. Como um bom paranoico, entendi que ela queria que a gente fosse embora, eu sentia uma angústia tamanha ao ter que sair dali.
Enquanto meus amigos estavam saindo, eu terminava de tomar o café, ela me puxou no canto da cozinha, me deu um beijo e disse com um olhar distante e sereno: "a foto é sua, mas seu olhar é meu", eu, meio desconcertado, dei um sorriso tímido sem entender como ela sabia que eu havia pegado a foto, devolvi o beijo e dei um adeus.


Conto escrito por: Yago Conforte.

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