domingo, 29 de dezembro de 2019

Em Algum Lugar do Passado.

Já passava das duas, e o efeito Brassai que se estendia pelas ruas nos fascinava. Às ruas em paralelipípedo daquela cidade mineira me lembrava às mais antigas ruas da minha cidade.
Nas travessas de Ouro Preto, só havia eu, você e um som gotejante ecoando pelos ares, toda boêmia já havia passado. Passamos em frente a um bar que tocava uma sonata, ou era jazz? Talvez a boêmia ainda estivesse presente. Mas todo o sentimento saudosista que existia ali já fazia valer a pena o excêntrico final de semana, que começara dois dias atrás. Mais a nossa frente, havia alguns casarões provavelmente datados do século XIX. Comecei a viajar imaginando como seria a vida daquelas pessoas que ali moravam. Será que era uma vida trivial ou tinha algo de especial nas entrelinhas daquelas casas antigas? Depois de tanto divagar entre meus pensamentos, ouvi sua voz me perguntando se eu já havia lido algum livro de Marcel Proust, eu respondi dizendo que era difícil eu conseguir de fato terminar algum livro, mas que já havia pesquisado bastante sobre à obra dele. Um grito escancarado nos assustou, àquela cena que tínhamos acabado de ver parecia um filme noir, ou talvez um conto de Edgar Allan Poe; nada demais, apenas alguns gatos atrás de suas presas.
Quando chegamos à pousada, a impressão que tinha era que havíamos entrado numa cortina de algum lugar do passado, tudo lá remetia o século XIX. Ficamos durante algum tempo entre os escombros da noite e do quarto, até que pegamos no sono. De repente, acordei num momento ímpeto com o barulho da chuva, olhei para os lados e vi que você não estava na cama, comecei a procurar em todo o recinto e não te achei. Onde você poderia estar? O único barulho que eu ouvia e via agora, era o som gotejante da chuva, trovões e relâmpagos. Todo o vigor e o sentimento ávido que ecoava pelos ares quando chegamos ali, parece que haviam desaparecido, e agora só me restava ligar o toca-disco e curtir àquele momento lusco-fusco que sobrevoava Ouro Preto.

Pensei em perguntar para a senhora dona da pousada se ela havia visto alguém saindo do meu quarto na calada da noite. Quando cheguei à recepção, vi que ela estava lendo um livro de Goethe. Puxei conversa falando sobre o autor, para não parecer invasivo:

— Gosto muito de algumas obras do Goethe.

Comentei, com um pouco de receio da recepção que teria.  

Ela me lançou um olhar interrogativo, como se quisesse que eu comentasse mais alguma coisa sobre.
Eu disse uma frase descartável para poder ir direito ao que me levou até ali. Indaguei ela se havia visto alguém saindo do meu quarto no meio da madrugada. Ela me disse que não tinha mais do que 15 minutos que havia ido pra recepção. Mas informou que geralmente o filho dela que fica na recepção durante à noite, não deixa entrar hóspedes acompanhados. Essa informação me deixou um tanto quanto atônito. Como eu poderia ter tido uma noite excepcional e agora não existe mais ninguém? Não havia rastros, pegadas ou qualquer coisa afim. 
                                                           



                                                          Continua... 







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